Na última quarta-feira,20, depois de 83 dias de paralisação, chegou ao fim uma das mais longas greves na rede de educação pública do Rio Grande do Norte. Participante das mobilizações dos(as) educadores(as) em nosso estado nos últimos 26 anos – tendo feito parte da direção da antiga APRN (Associação do Professores do Rio Grande do Norte) entre 1985 e 1988 – conheço suficientemente a trajetória da categoria – porque fruto e partícipe dela – para afirmar que nunca antes na história das lutas educacionais deste estado um governo tratou os(as) trabalhadores(as) da educação como o faz o governo Rosalba, do DEM.
Os representantes do Rosa.Gov.Dem – da Chefe do Executivo à Secretária de Educação – atuaram em uníssono seguindo script e impondo estilo com um objetivo previamente definido: enfraquecer e derrotar o movimento sindical dos educadores como forma de evitar futuras mobilizações.
Os motivos da greve podem ser resumidos, basicamente, em três itens: 1 – cumprimento do Planos de Cargos e Salários do Pessoal do Magistério, 2 – retomada do processo revisional da tabela salarial do referido Plano e 3 – cumprimento do Plano de Cargos dos Servidores do Estado, que define os vencimentos dos servidores do chamado quadro geral, inclusos aí os servidores dos níveis elementar, médio e superior da educação.
Como se vê, e por incrível que pareça, a greve ocorreu porque o governo não cumpriu o que está consignado em lei.
O atual Plano de Cargos e Salários do Pessoal do Magistério é a Lei Complementar nº 322/2006, publicada em 12/01/2006, e sucedânea de legislações anteriores, criadas ainda em meados dos anos 80 do século passado. Nada a ver, portanto, com “planos aprovados em 2010, às vésperas das eleições”.
A lei do Plano de Cargos define, entre outras questões, a tabela dos vencimentos dos educadores ao longo de sua carreira. Esta tabela começa com a definição do vencimento inicial do profissional com formação de magistério (ensino médio), o piso salarial, e vai até à do profissional com formação superior, com aumentos percentuais, em efeito cascata, de acordo com a qualificação e o tempo de serviço, amarrando a carreira em níveis diferentes e articulados entre si. Pela tabela em vigor, um professor licenciado, por exemplo, tem o seu vencimento inicial (sem considerar o tempo de serviço), calculado em 40% a mais do que o vencimento inicial do professor com formação de nível médio.
A tabela dos vencimentos dos profissionais da educação do RN deveria ter sido atualizada desde janeiro de 2011. Isto porque o valor do Piso Salarial do Magistério, definido pela Lei Federal nº 11738/2008, foi reajustado desde esta data. Modificado o valor do vencimento inicial da carreira, altera-se o valor dos demais níveis da tabela.
Assim, por exemplo, o vencimento inicial do profissional de nível médio (início de carreira), com jornada de 30 horas semanais, que era de R 768,00 (664 mais abono) no ano passado, deveria ter sido reajustado para R$890,62, em janeiro deste ano por força da Lei do Piso. E o vencimento inicial do profissional licenciado, para R$1.246,00, por ser 40% a mais. A mesma metodologia de reajuste deveria ter sido aplicada para os demais níveis salariais, de acordo com a titulação e o tempo de serviço.
A posição do Governo Rosalba, do DEM, foi a de implantar o Piso, somente a partir de junho, apenas para quem tinha vencimento inicial menor do que R$ 890,62 (menos de 2 mil educadores) e rasgar o Plano de Cargos da categoria para os cerca de 25 mil demais professores, jogando para dezembro o cumprimento da lei.
Em relação à revisão geral da tabela salarial, o Governo não apresentou qualquer proposta concreta assim como adiou para setembro em diante o cumprimento das parcelas garantidas pelo Plano de Cargos dos servidores dos níveis elementar, médio e superior do chamado quadro geral (Lei Complementar nº 432, de 1º de julho de 2010)
É falso atribuir totalmente às atuais limitações financeiras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal a atitude de descumprir os Planos de Cargos dos educadores e dos demais servidores. Se desejasse de fato cumpri-los em sua integridade, o Governo teria apresentado um calendário para a repactuação dos prazos.
Ao definir unilateralmente que cumprirá os Planos em dezembro deste ano (iniciando em setembro, sem retroativos), o Governo Rosalba criou uma situação inusitada que desafia até mesmo a sapiência jurídica de seus principais auxiliares: a suspensão dos efeitos das leis nos meses de janeiro a novembro.
Para conseguir seu intento e derrotar os(as) educadores(as) o Governo do Dem lançou mão de mecanismos nunca antes utilizados com tamanha eficácia. Entre tantos atos de pressão, recorreu ao Judiciário e editou medidas administrativas coercitivas com o objetivo de ameaçar e punir.
Nunca antes – nem mesmo nos tempos do Governo Geraldo Melo, que enfrentou uma paralisação semelhante logo no início da gestão (1987) porque rasgou o Estatuto do Magistério aprovado em 1986 – o judiciário havia decretado ilegalidade de uma greve, além de determinar pesada multa diária ao sindicato . Não contente, para enfrentar a resistência e coragem da categoria que não se curvou, o Governo pediu o aumento da multa em dez vezes, numa clara demonstração de que o objetivo é o enfraquecimento da organização da categoria.
Nunca antes um governo criou uma Comissão Permanente de Sindicância no âmbito da Secretaria de Educação, como foi feito através do Decreto nº 22.298, publicado no Diário Oficial, em um sábado, dia 16/07/2011, dando o primeiro passo para a abertura de processos disciplinares contra os(as) servidores(as).
Nunca antes os gestores da educação se mostraram tão submissos aos discursos do núcleo econômico do governo. Desde os tempos do saudoso Prof. Hélio Vasconcelos (no primeiro governo Agripino) até a gestão do Prof. Otávio, raros foram os embates na educação em que os gestores da pasta não se somaram e dialogaram em paralelo com a categoria nestes momentos difíceis, construindo e disputando soluções que iam de encontro às desejadas por outros setores do próprio governo, ressalvadas as hierarquias e interesses do executivo como um todo.
Nunca antes foram tão inócuas as tentativas de intermediações feitas pela Assembléia Legislativa ou por parlamentares federais como foram os casos das iniciativas da Dep. Fátima Bezerra e mesmo de aliados do governo, como o Senador Paulo Davim.
Nunca antes a indiferença, a insensibilidade e o autoritarismo prevaleceram tão intactos, orientados por uma lógica que inviabiliza qualquer pactuação possível com vista à superação dos tristes indicadores educacionais do Rio Grande do Norte.
Como dantes, a vítima é a parcela da sociedade que precisa e depende de educação pública de qualidade, condição basilar para que se dê passos concretos rumo à superação das concentrações de conhecimento, de renda e de poder tão presentes em nosso país e em nosso estado.
Mineiro – Professor licenciado e deputado Estadual PT/RN